Linhas de alta tensão provocam câncer?

Morar perto de linhas de alta tensão causa câncer? Estudos apontam possível associação com leucemia infantil em casos de exposição muito próxima, mas o risco é considerado baixo e sem evidência conclusiva.

Linhas de alta tensão e câncer: o que a ciência diz sobre esse medo invisível?

As imponentes torres e os cabos que cortam a paisagem, transportando a energia que move nosso mundo, frequentemente despertam uma preocupação silenciosa: será que viver perto de linhas de alta tensão pode causar câncer? Essa é uma questão complexa, que envolve campos eletromagnéticos, estudos epidemiológicos e muita controvérsia. Desvendar a verdade por trás desse medo exige uma análise cuidadosa do que a ciência descobriu até agora.

O cerne da questão reside nos campos eletromagnéticos de frequência extremamente baixa (ELF-EMF, na sigla em inglês) gerados pela corrente elétrica que flui pelas linhas de alta tensão. Diferente das radiações ionizantes (como raios-X ou radiação nuclear), que comprovadamente danificam o DNA e causam câncer, os campos ELF-EMF são de baixa energia e não se acredita que tenham capacidade de alterar diretamente nosso material genético. No entanto, a dúvida persiste: poderiam eles ter outros efeitos biológicos que, a longo prazo, aumentariam o risco de desenvolver a doença?

Ao longo das últimas décadas, diversos estudos epidemiológicos tentaram responder a essa pergunta, focando principalmente na leucemia infantil, o tipo de câncer mais comum em crianças. Alguns estudos importantes, como uma pesquisa britânica publicada no British Medical Journal e analisada pela BBC, encontraram uma associação estatística entre morar muito próximo a linhas de alta tensão e um risco ligeiramente aumentado de leucemia infantil. O estudo britânico, por exemplo, concluiu que crianças vivendo a menos de 200 metros das linhas tinham um risco 70% maior do que aquelas morando a mais de 600 metros. Outro estudo, na França, levou a Agência Nacional de Segurança Sanitária (Anses) a reiterar, em 2019, a classificação de uma “possível associação” entre a exposição a ELF-EMF e o risco de leucemia infantil, recomendando, por precaução, não instalar novas escolas perto dessas linhas.

Essa classificação como “possivelmente carcinogênico para humanos” (Grupo 2B) pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), é um ponto crucial. Ela significa que há evidências limitadas de carcinogenicidade em humanos e evidências menos que suficientes em animais de laboratório. É a mesma categoria de risco do café ou do extrato de Ginkgo Biloba, por exemplo. Ou seja, não há uma prova definitiva de causa e efeito, mas a possibilidade não pode ser completamente descartada com base nos dados epidemiológicos disponíveis.

É fundamental notar que esses estudos que encontraram associação geralmente se referem a níveis de exposição a campos magnéticos relativamente altos (acima de 0,3 ou 0,4 microteslas), que são mais comuns muito perto das linhas de alta tensão (geralmente a menos de 50-200 metros, dependendo da linha). A intensidade do campo magnético diminui drasticamente com a distância. A maioria das residências, mesmo aquelas visíveis das linhas, experimenta níveis de campo magnético muito mais baixos, comparáveis aos encontrados em ambientes com fiação elétrica comum e eletrodomésticos.

Além disso, os próprios pesquisadores, como os do estudo britânico, ressaltam que não há um mecanismo biológico conhecido que explique como os campos ELF-EMF poderiam causar leucemia. Sem essa compreensão biológica, a associação estatística observada nos estudos epidemiológicos pode ser devida a outros fatores de confusão (como características socioeconômicas das pessoas que moram perto das linhas) ou até mesmo ao acaso.

Outro ponto importante é a magnitude do risco. Mesmo nos estudos que encontraram associação, o aumento do risco absoluto é considerado pequeno. O estudo britânico estimou que, mesmo se a relação fosse causal, ela explicaria apenas cerca de 1% dos casos de leucemia infantil no Reino Unido (cerca de 5 casos extras por ano).

O DUO está cheio de dúvidas entre as torres de alta tensão Será que esse medo invisível tem base científica Spoiler a resposta não é tão elétrica quanto parece

Então, linhas de alta tensão provocam câncer? A resposta, baseada no consenso científico atual, é que não há evidências conclusivas de que os campos eletromagnéticos de baixa frequência emitidos por elas causem câncer ou outros problemas de saúde. A IARC/OMS classifica a exposição a esses campos como “possivelmente carcinogênica”, principalmente devido a associações estatísticas observadas em alguns estudos sobre leucemia infantil em exposições mais altas e próximas às linhas. No entanto, falta um mecanismo biológico comprovado, e o risco absoluto, se existir, é considerado baixo.

Para a grande maioria das pessoas, os níveis de exposição a campos ELF-EMF no dia a dia, incluindo aqueles que moram a uma distância razoável das linhas de alta tensão, são muito baixos e não são considerados um risco significativo para a saúde. A preocupação maior deve estar em fatores de risco comprovados para diversos tipos de câncer, como tabagismo, dieta inadequada, sedentarismo e exposição excessiva ao sol.

Referências:

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